Hoje trazermos a quinta nacional num formato um pouco diferente. Ao invés de falarmos sobre bandas, esta semana entrevistamos Rafael Mancini, dono do Projeto D.
Mancini, que além de colaborar com vários artistas, divulga seu trabalho solo como produtor. E é sobre produção musical nosso grande enfoque desta entrevista.
Conhecido por sua atuação na produção de bandas independentes, Raphael Mancini constrói desde 2006 um projeto solo original onde estudos e inquietações como artista. Intitulado Projeto D, esse novo desafio ganha novos contornos com o lançamento do disco “Somos Instantes”.
O artista surgiu em 2006 divulgando o primeiro álbum “Degradê”, apresentando canções autorais apenas com voz e violão. Após o registro intimista, o EP “2 semanas” aparece com apenas quatro faixas, para testar o então novo estúdio de gravação.
Leia agora matéria completa!
Por: Diego Sousa
PDM: Conte-nos sobre o Projeto D e o porquê retornar somente agora.
Projeto D: O Projeto D nasceu com a ideia de mostrar o meu lado musical mais calmo. Com músicas onde a princípio seriam apenas voz e violão (o primeiro disco de 2006 é nesse formato). Com o tempo fui inserindo outros instrumentos nas gravações. Costumo fazer as músicas sem pressa, depois que juntei algumas prontas no decorrer dos anos. Agora resolvi gravá-las no intervalo de uma banda e outra que passava aqui pelo meu estúdio de gravação. Como os equipamentos já estavam montados, eu dava o rec e saía gravando.
Leia também:
- Cidade Verde Sounds segue Firme com novo álbum e divulga mais um videoclipe
- Marylin Manson divulga nome e data de lançamento do novo EP, “Heaven Upside Down”
PDM: A faixa “Tive Um” do novo EP tem um toque especial por você ter tocado ela inteira, literalmente. De onde partiu a ideia de gravar sozinho todos os instrumentos e que ideias esta experiência lhe rendeu para o futuro?
Projeto D: Pra mim sempre foi natural gravar todos os instrumentos sozinho. Faço isso desde quando comecei nessa empreitada de gravação caseira, por volta dos anos 2000. Então como as ideias já estão na minha cabeça, acho mais fácil executar e ter exatamente o resultado que eu espero. Em “Somos Instantes“, resolvi chamar alguns amigos para gravarem algumas músicas e pra dar uma variada nisso. Achei muito bacana e devo fazer isso mais vezes no futuro.
Projeto D – Tive Um
PDM: Com quase dez anos de projeto, qual foi a sua maior descoberta?
Projeto D: A primeira é que descobri ser possível lançar minhas músicas de uma forma autossuficiente que funciona. Tenho um estúdio onde gravo as músicas e conheci ótimos profissionais para viabilizar a parte visual, como videoclipes ou sessões ao vivo, ou a parte de letra caso seja preciso. A segunda é que descobri que gosto de fazer videoclipes. Nunca tinha pirado nisso. Acabei lançando 2 clipes desse último disco e pretendo lançar mais conteúdo audiovisual no futuro.
PDM: Como é dividir a vida entre produtor e músico?
Projeto D: Minha vida é bem corrida. Basicamente acordo às 9:30 da manhã todos os dias, vou para o meu estúdio onde fico gravando e mixando bandas independentes. Às 15h vou para uma produtora de áudio e fico até meia noite trabalhando com trilha sonora para peças publicitárias. Nesse meio tempo ainda tento encontrar espaço para compor minhas músicas quando sinto necessidade. É corrido, mas muito prazeroso.
Leia também:
PDM: Das peças publicitárias que você já criou canções, quais delas você menos gosta?
Projeto D: Das peças em que as agências costumam mudar tanto que vira uma coisa nada a ver com a ideia inicial. Mas já acostumei com isso, faz parte do trabalho.
PDM: O que muda em sua percepção pessoal e profissional ao ter outro músico na família?
Projeto D: Essa foi uma experiência incrível que tive nesse último disco. Quase todas as letras foram escritas pelo meu primo Diego Mancini. Ele tem uma facilidade impressionante em escrever. A química deu muito certo e penso em passar por isso novamente no próximo disco. Sempre bom trocar figurinhas com ele sobre bandas que escuta, pois temos um gosto parecido. Sou um grande fã dele.
Lobos de Calla
PDM: De que forma a experiência adquirida na produção de bandas independentes lhe ajudou na produção de conteúdo independente?
Projeto D: Essa experiência me ajuda muito, principalmente na parte de gravação e mixagem. Com as bandas independentes no dia a dia, acabo sempre testando algumas coisas novas nas produções. Então quando vou gravar minhas músicas, já consigo usar alguma coisa que funcionou com alguma outra banda. Fora o networking, que é formado com as bandas que gravo.
PDM: Qual é o seu ponto de vista sobre a produção musical independente no Brasil, e o que ainda falta (se é que falta algo) para ter mais abrangência mundo afora?
Projeto D: Felizmente temos ótimas bandas independentes no Brasil, algumas conseguindo um destaque bacana lá fora como Ego Kill Talent e Far From Alaska. Mas aí depende da abrangência do foco, da língua que canta, do talento, networking, sorte e perseverança no objetivo. Mas no geral sinto que o meio independente está forte e funcional.
Ego Kill Talent
Far From Alaska
PDM: Como produtor, que tipo de postura ainda falta para bandas, assessores, produtores e mercado em geral para continuarmos tendo relevância no mercado nacional e internacional?
Projeto D: Acho que falta perseverança. Sinto que as bandas querem um resultado rápido em pouco tempo, normalmente não é assim que funciona. Em um ciclo natural das coisas, leva anos pra uma banda se estabilizar no mercado. As oportunidades estão aí. Existem bons festivais, eventos, programas online, blogs especializados etc. Quanto mais tempo na estrada, sempre lançando conteúdo novo, mais chances o pessoal tem de conhecer e formar seu público.
PDM: Devido ao avanço das tecnologias e a facilitação do “faça você mesmo” hoje em dia, você sente que a qualidade dos trabalhos musicais apresentados tenha sido afetada? É possível mensurar como a indústria fonografia interpreta o tamanho da oferta?
Projeto D: Falando sobre o meio de produção, gravação e mixagem, acho que existem ótimos profissionais no Brasil. Porém, 80% dessa galera é preguiçosa e quer a fórmula mágica na mão com menos de 1 ano de experiência. Isso reflete no resultado das produções. Quem leva a sério e é apaixonado pela profissão está aí trabalhando e aprendendo diariamente com erros e acertos. Quem entra achando que é fácil, não dura. Mesma coisa com projetos musicais. Quem entra achando que é fácil, sai rápido da trilha. Os que persistem são os que colhem resultados melhores em longo prazo.
Projeto D – Mutação
PDM: Pode soar clichê, mas para nós que somos ligados a música, principalmente ao mundo que envolve o mercado independente, diversos selos tem surgido quase que na mesma velocidade que novas bandas. Como explicar esse fenômeno partindo do próprio mercado nacional que estamos inseridos?
Projeto D: Se o selo tem uma proposta séria e coesa, acho muito interessante. Existem alguns que gosto bastante, como a Slap Musica, que tem uma estrutura maior. Tem também a Flecha Discos que é um coletivo de bandas que unem forças para divulgar os artistas ali inseridos. A vantagem dos selos maiores é que acaba sendo mais uma ferramenta para que o artista tente se preocupar mais com a sua música e menos com a parte burocrática da coisa.
PDM: Novamente estamos vivendo um período que diversos canais de TV, emissoras e rádio e produtores musicais promovem eventos a procura de novos talentos. Há quem diga que estamos num momento de vacas magras, criativamente falando, com bandas e artistas genéricos. Com essa repetição de ciclos, é possível identificar e separar o que realmente é cíclico do que é original?
Projeto D: Acho que sim. Particularmente tive a felicidade de conhecer e gravar muitos artistas independentes que me surpreenderam muito, artistas com propostas novas musicalmente falando. Mas o trabalho não acaba quando o disco fica pronto. Essa próxima etapa é a mais difícil, na minha opinião (divulgar, fazer shows, videoclipes, conteúdo e mostrar a cara). Quem não pensa dessa forma acaba engavetando discos incríveis. Existem artistas também que gravei que o foco era só para ter um registro mesmo de alguma música, sem nenhuma pretensão, mas o material ficou incrível. No meu site, na parte de gravações, vocês podem escutar ótimos artistas independentes que gravei e produzi no decorrer dos anos, tem muita gente bacana por lá.
Produção musical x músicos iniciantes
PDM: De que forma as feiras, encontros e workshops voltados à produção musical podem ser decisivos na forma de fazer música para quem pensa em ser músico?
Projeto D: Acho incríveis os workshops que existem hoje em dia, tanto presencial como online. Hoje conseguimos ver pessoas experientes falando sobre o que você quer escutar. Um exemplo incrível é o MasterClass.com. Você quer ver um pouco do processo de criação do Hans Zimmer? Tem lá. Quer ver algo sobre canto? A Christina Aguilera te mostra. Quer ver dicas do Kevin Spacey atuando? Tem lá. Entre muitas outras coisas. Fora congressos musicais online, onde já participei de 3, mostrando minha forma de compor e falando sobre produção musical. Isso acaba sendo incentivo pra quem pensa em começar a empreitada, ou um complemento para quem já está no meio.
PDM: Qual fator (ou quais fatores) pode(m) ser determinante(s) ao apontar uma produção de qualidade?
Projeto D: Primeiro lugar, a música precisa ser boa. De nada adianta se o principal não é bom. Recomendo focar com todas as forças ali antes de qualquer coisa. Segundo lugar, deixar cada um no seu quadrado. Se quiser um resultado profissional, contrate alguém profissional pra fazer.
PDM: Entre todas suas facetas no mundo musical, sob qual delas você se sente mais a vontade?
Projeto D: Gosto de tudo que eu faço, tanto de produção de bandas, quanto gravação, quanto mixagem, quanto trilha sonora, quando soundesign. Mas o que mais gosto mesmo é compor e gravar minhas próprias músicas, nada melhor do que escutar o resultado pronto. Isso é algo que nunca vou deixar de fazer.
PDM: Para encerrar, gostaríamos de agradecer pelo bate papo e deixamos o espaço livre para enviar um recado aos leitores do Porão da Música.
Projeto D: Deixo aqui o link do disco que lancei esse ano do “Projeto D” chamado “Somos Instantes”. Fiquem à vontade para escutar e compartilhar caso gostem:
Siga o Porão da Música no Facebook, Instagram e Twitter.
Foto: Divulgação